Resultados da oposição ‘batem estatisticamente’ na Venezuela; do governo, não

Uma análise feita por vários especialistas, a pedido da CNN, dos resultados oferecidos tanto pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) como pela oposição liderada por María Corina Machado das eleições presidenciais no país, conclui que os números que dão o presidente Nicolás Maduro como vencedor “são uma improbabilidade estatística”, enquanto os dados publicados num portal web pelos representantes do candidato Edmundo González se encaixam “matematicamente e estatisticamente”.

Há dez dias, a Venezuela está em suspense após os resultados anunciados pelo CNE, organização controlada pelo chavismo, que governa há 25 anos.

Ainda não há uma definição concreta da veracidade dos resultados: tanto a oposição como o partido no poder reivindicam vitória.

Quão verificáveis ​​são os dados apresentados por cada uma das partes? Embora as autoridades eleitorais e judiciais tenham anunciado a vitória de Nicolás Maduro, não mostraram os resultados detalhados por centro e por assembleias de voto para apoiá-la.

Entretanto, a oposição publicou num site a contagem de 83,50% dos registos de escrutínio, resultado que também foi verificado por organizações civis e meios de comunicação independentes.

Os números do partido no poder

Nove minutos após o início da segunda-feira, 29 de julho, o presidente do CNE, Elvis Amoroso, proclamou Nicolás Maduro vencedor da disputa.

Segundo dados da entidade, com 80% das atas contadas, o presidente havia obtido 51,20%, ou seja, exatos 5.150.092 votos. Nesse mesmo primeiro boletim, o CNE deu o segundo lugar a Edmundo González com 44,2%, exatamente 4.445.978 votos.

Entretanto, o órgão eleitoral assegurou que a soma dos votos dos restantes candidatos da oposição representou “462.704 dos votos, o equivalente a 4,06%”.

Paralelamente, Amoroso informou que iria pedir ao Ministério Público que investigasse um alegado ataque ao sistema de transmissão de dados, que, segundo o procurador-geral, Tarek William Saab, denunciado na segunda-feira, partiu de servidores localizados na Macedónia do Norte.

Na terça-feira, 30 de julho, o governo do país balcânico negou ter recebido um pedido das autoridades venezuelanas para investigar o caso.

“Há aproximadamente uma probabilidade em cem milhões de que este padrão específico ocorra por acaso”, disse Andrew Gelman, professor de Estatística e Ciência Política na Universidade de Columbia, numa publicação que analisa os números recolhidos do primeiro relatório do CNE.

Gelman realizou uma simulação matemática com um modelo de probabilidade e concluiu: “Um milhão de simulações e nem uma vez essa coisa de arredondamento funciona”.

Na sexta-feira, 2 de agosto, o órgão eleitoral publicou um segundo boletim que afirmava que, após processar 96,87% dos registros, Maduro obteve 51,95% dos votos enquanto González Urrutia alcançou 43,18%. Também não divulgaram os dados que sustentam esse boletim.

“Os dados publicados pelo CNE não são auditáveis ​​porque são dados gerais sobre participação e candidatos, mas não os dados desagregados ou a base de dados para entender como foi feito o cálculo”, disse Eugenio Martínez, diretor do portal Votoscopio, à CNN.

Além disso, “o primeiro boletim é arredondado à primeira casa decimal, o que é aritmeticamente impossível que isso aconteça”, notou.

João Magdaleno destacou que desde que o segundo boletim anunciou um total de 12.335.884 votos válidos, “se segue que no primeiro boletim restavam mais de 2.300.000 votos por contar”. Isto, segundo Magdaleno, confirma “a inconsistência central do primeiro boletim”: não se poderia falar de uma tendência irreversível.

Para Martínez, “há muitas irregularidades no comportamento do CNE”. Por um lado, “não foram realizadas duas das auditorias essenciais após a eleição que devem ser feitas para validar os resultados e que estão no calendário de organização eleitoral”, disse.

Martínez explicou que se trata da auditoria de telecomunicações, que deveria ter sido feita na segunda-feira após as eleições, que serve “para verificar se o resultado transmitido pelas máquinas corresponde ao resultado que o CNE recebeu na sala de totalização”

O diretor do portal Votoscopio esclareceu que a auditoria de verificação fase 2, que teve de ser feita em 2 de agosto, consiste em “retirar uma amostra aleatória de 1% das máquinas para verificar se o hardware e software auditados antes da eleição permanecem intactos” e “para verificar que o resultado impresso no boletim de voto coincida com os recibos de votação e que ambos coincidam com os resultados divulgados tabela a tabela pela CNE.”

David Arroyo Fernández, professor universitário, economista licenciado e estatístico do Colégio de Economistas de Madrid, chegou à mesma conclusão quando consultado pela CNN.

Depois de uma análise matemática, Arroyo disse: “Uma probabilidade tão baixa – de que os números tivessem uma única casa decimal – ‘aconselha’ assumir parcialidade ou viés nos resultados.”

Os números apresentados pela oposição

Na sexta-feira, 2 de agosto, a oposição divulgou uma base de dados que vem atualizando.

Na quarta-feira, 7 de agosto, quando este artigo foi escrito, ele continha 83,50% das atas (25.073) de um total de 30.026 mesas. Segundo estes dados, Edmundo González teria vencido as eleições com 7.303.480 votos (67%), enquanto Maduro teria ficado em segundo lugar com 3.316.142 votos (30%) e os demais candidatos obtiveram apenas 267.640 votos (2%).

“Se a base de dados for baixada, pode-se fazer uma análise de como chegam ao anúncio da votação global que fazem e é por isso que os dados da oposição são verificáveis ​​e os dados do CNE, não”, assegurou Martínez.

Aliás, no referido site é possível fazer download da base de dados, que contém os dados desagregados da votação com links que direcionam para imagens das atas digitalizadas.

O professor David Arroyo Fernández, do Colégio de Economistas de Madrid, fez um estudo estatístico dos dados publicados pela oposição e conclui que “é muito improvável” que tivessem tido tempo suficiente “para terem criado uma distribuição de votos com essas características em apenas alguns dias” se não fossem os dados reais, então “matematicamente e estatisticamente os dados [da oposição] somam-se em termos de números e da precisão mostrada”.

John Madgaleno salienta que “a oposição apresentou informação mais detalhada e verificável sobre o resultado das eleições presidenciais do que o órgão encarregado de administrar o evento eleitoral”.

Na segunda-feira, 5 de agosto, o Ministério Público da Venezuela abriu uma investigação criminal contra González Urrutia e a líder da oposição María Corina Machado pela “suposta prática dos crimes de usurpação de funções, divulgação de informações falsas para causar ansiedade, instigação à desobediência das leis, instigação à insurreição, associação criminosa e conspiração”.

A organização argumentou que a acusação está ligada ao apelo que os líderes da oposição fizeram numa declaração aos militares e à polícia para se posicionarem “ao lado do povo”. Mas também sustentou que “anunciam falsamente um vencedor das eleições presidenciais diferente daquele proclamado pelo Conselho Nacional Eleitoral”.

Como a oposição obteve as atas?

Milhares de voluntários participaram do processo eleitoral em 28 de julho. A instrução, que a própria Machado reiterou naquele domingo após o encerramento das urnas, era que permanecessem nos centros de votação até obterem cópia impressa da ata.

Foram então transferidos para um local seguro, acompanhados por membros do partido da oposição que procuraram garantir a segurança das testemunhas.

O que acontece com a porcentagem de minutos que a oposição não conseguiu aceder? Eles poderiam reverter o resultado? Mesmo que 100% dos votos contidos na ata faltante fossem favoráveis ​​a Maduro, a contagem, segundo os dados publicados pela oposição, continuaria a dar o vencedor a González.

Marina Lacalle, professora do mestrado em Relações Internacionais da Escola de Governo da Universidade Austral, expressou-se nesse sentido.

“Tendo em conta que as eleições presidenciais na Venezuela são resolvidas por maioria relativa, é muito difícil reverter uma tendência de quase 70% dos votos”, disse à CNN.

“Por outro lado, seria necessário ver em que áreas geográficas [e com que características sociodemográficas] são os minutos que precisam ser tornados visíveis e contados. Como se pode verificar pelos dados fornecidos pelas atas publicadas, Maduro obteve mais votos nos setores mais vulneráveis ​​em termos socioeconómicos, como aconteceu em eleições passadas”, acrescentou a especialista.

O que vai acontecer agora?

O Supremo Tribunal de Justiça, órgão que responde ao partido no poder, deu ao CNE três dias para apresentar a ata.

O prazo foi cumprido na segunda-feira (5) e, segundo o órgão judicial, o CNE entregou o que foi solicitado e iniciou-se um processo de perícia que inclui convocatórias para os dez candidatos presidenciais, incluindo Maduro e González.

Na quarta-feira (7), González anunciou em suas redes que não compareceria à Sala Eleitoral porque estaria “em situação de absoluta indefesa”.

Com informações da CNN