Queimadas e incêndios florestais levam Boa Vista a ter picos de ar insalubre em metade do ano, segundo relatório do Inpa

Em Boa Vista, em seis meses do ano, o ar respirado pela população apresenta picos de insalubridade, principalmente por causa da fumaça das queimadas e incêndios florestais. É o que revela uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) publicada este mês. O relatório “Monitoramento da Qualidade do Ar na Cidade de Boa Vista – Roraima” registrou dados do  período de 2020 a 2024.

“Do ponto de vista global, Boa Vista não é uma megacidade que produz grandes quantidades de poluentes urbanos derivados de fábricas e/ou indústrias. Por outro lado, a fumaça derivada de queimadas e incêndios [florestais e não florestais], em especial nos últimos anos, tem tornado a cidade um local insalubre por vários dias”, conclui o estudo assinado por Reinaldo Imbrozio Barbosa e Arthur Camurça Citó.

Em 2 de abril, o ar na capital roraimense foi classificado como o 15º pior do mundo. O levantamento do Inpa lembra que, neste ano, a cidade teve quatro dias com níveis de poluição que superaram o de algumas das metrópoles mais poluídas do planeta, como Hanói, no Vietnã, e São Paulo.

De acordo com a pesquisa, nos quatro dias em questão, foi registrado um nível de material particulado no ar superior a 300 microgramas por metro cúbico (µg/m³) de PM 2.5 (partículas de poeira inaláveis de diâmetro igual ou menor que 2.5 microns por µg/m³) – a unidade de medida da concentração de poluentes.

O Estado teve recorde de focos de calor em fevereiro deste ano, considerando a série histórica do mês desde 1998. Como várias outras regiões do país, a capital, outros municípios e terras indígenas, incluindo a Yanomami, ficaram cobertos por fumaça. O levantamento do Inpa aponta que a nuvem de poluição gerada em Roraima foi tão grande que acabou alcançando regiões relativamente distantes, como o Alto Rio Negro e o Alto Rio Solimões, no Amazonas. 

Por causa da seca, o fogo se alastrou e destruiu diversas áreas de cultivo de alimentos. O Rio Branco, principal fonte de água potável do Estado, chegou a atingir uma marca de 39 centímetros abaixo do nível mínimo de medição.

‘Pico de insalubridade’

“Estamos tratando a insalubridade do ar como a poluição que pode causar danos à saúde humana. Esse impacto tem níveis diferentes, tanto pela quantidade de poluição quanto pelo público que é afetado”, explica Citó.

O “pico de insalubridade” é um período que concentra saltos nos níveis máximos de poluição. De acordo com a pesquisa, de janeiro a março, Boa Vista sofre o maior pico por causa de queimadas e incêndios, localizados principalmente no centro e norte de Roraima, em anos de extrema seca e ventos fortes, como em 2024 e 2023.

Ainda conforme o estudo, o segundo período mais crítico, de agosto a outubro, é causado pelo transporte de poluentes vindos de incêndios e queimadas situados no sul da Amazônia, em especial no oeste do Pará e localidades próximas de Manaus. 

“No pico de poluição primário [janeiro a março], os valores de poluição são maiores, oferecendo riscos à população em geral”, aponta o pesquisador. “Depois desse pico, os valores de poluição baixam e podem chegar a 0 durante o período de chuvas. Mas a partir de agosto surge um novo pico de poluição, que se estende até outubro, configurando um pico de poluição secundário. Caracterizamos este trimestre como ‘pico secundário’ porque os valores de poluição são menores, oferecendo maior risco a uma parcela mais sensível da população, como crianças e idosos”, detalha. 

Pelo fato de parte do Estado estar acima da Linha do Equador, em Roraima o período de seca vai de outubro a março e o chuvoso, de abril a setembro, ao contrário do que acontece no resto do país. 

Para se ter uma ideia do problema, nos quatros anos analisados pelos cientistas do Inpa, em 70 dias a qualidade média do ar foi classificada como “insalubre para grupos sensíveis”, “insalubre” ou “muito insalubre”. Por outro lado, em 255 dias a leitura máxima da concentração de poluentes feita ao longo do dia alcançou a classificação de “insalubre para grupos sensíveis”, “insalubre”, “muito insalubre” ou “péssima”.

Como a pesquisa foi feita?

Os pesquisadores observaram os dados de qualidade do ar em 1.290 dias, entre julho de 2020 e maio de 2024. A pesquisa analisou médias diárias (variação ao decorrer do dia) do grau de poluição e máximas diárias (pico de insalubridade do dia).

Com base nas médias diárias, Boa Vista teve 689 dias (53,4%) com qualidade de ar considerada boa. No entanto, nos outros 601 dias (46,6%), a qualidade do ar apresentou algum grau de risco para os moradores. Já na análise de máximas diárias, a cidade teve pico de ar insalubre em 1.010 dias (78,3%), enquanto a qualidade considerada boa sofreu queda brusca em 280 dias (21,7%) (veja a tabela acima).

Para chegar aos resultados, os cientistas utilizaram dois sensores PurpleAir. A tecnologia é conectada à internet e foi instalada em Boa Vista em 2020. Conforme o estudo, há outros sensores instalados em Roraima, mas nenhum deles possui séries temporais adequadas para formatação de qualquer tipo de padrão que pudesse resultar em uma análise científica.