Para moradores de Pacaraima e outros 587 municípios, eleição também é assunto internacional
No Brasil, há 558 municípios localizados na chamada faixa de fronteira. Entre eles, 33 “cidades-gêmeas”, que são aquelas com forte integração com cidades de países vizinhos, a exemplo de Pacaraima, no norte de Roraima, e Santa Elena de Uairén, na Venezuela, assim como Bonfim, também no norte do Estado, e Lethem, na Guiana.
Para cerca de 11 milhões de brasileiros, a eleição municipal é também um assunto internacional, uma vez que essas pessoas vivem nessas cidades fronteiriças.
A área representa 16% do território nacional, com largura de 150 quilômetros a partir da linha que divide o Brasil dos seus 10 vizinhos sul-americanos.
Por sua condição de vizinhos de outros países, os municípios de fronteira enfrentam desafios próprios como imigração, contrabando internacional, forte presença do crime organizado, ausência de projetos de desenvolvimento econômico local e alta evasão escolar.
Dos 588 municípios dentro da faixa de fronteira, 124 estão na linha que divide o Brasil da Venezuela, Paraguai, Bolívia e Argentina, entre outras nações. Outros exemplos de cidades-gêmeas, como Pacaraima e Santa Elena de Uairén, são Guajará-Mirim (Rondônia) e Guayaramerín, na Bolívia; e Ponta Porã (Mato Grosso do Sul) e Pedro Juan Caballero, no Paraguai.
Imigração e moradia
As políticas municipais para moradia popular podem resolver os problemas que a imigração trouxe para Roraima, avalia a agricultora familiar Maria Ferraz de Matos, de 53 anos. Ela coordena a Cozinha Solidária no Estado, projeto do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que oferece refeições gratuitas para pessoas em situação de pobreza.
“Você anda em Boa Vista e encontra mulheres, homens e crianças venezuelanas dormindo no chão. Temos aqui um déficit habitacional muito grande. Tem também muita família brasileira vivendo de fazer bico para pagar aluguel que vem comer aqui na Cozinha Solidária”, conta.
O intenso fluxo migratório tem acirrado os ânimos entre brasileiros e venezuelanos em Roraima.
“O brasileiro fica chateado porque acredita que os venezuelanos têm mais direitos do que ele. Muitas vezes, tenho que mediar conflitos entre os dois grupos”, diz Maria Ferraz.
Para a coordenadora, as prefeituras devem promover políticas de moradia que ajudem tanto os brasileiros quanto os venezuelanos.
“Tem muita terra aqui que poderia ser usada para política de moradias. Porém, como os venezuelanos não votam, parece que os candidatos não se preocupam com eles”, avalia.
Promover políticas para moradia é um dever constitucional que também é dos municípios, como determina o artigo 23 da Constituição brasileira.
Diplomacia e articulação
Especialistas consultados pela Agência Brasil destacam que a realidade municipal da fronteira tem uma dimensão internacional que exige dos prefeitos e vereadores capacidade diplomática e boa articulação com os governos federal e estadual.
“Os municípios precisam desenvolver uma diplomacia paralela que exige uma discussão dos dois lados da fronteira para destinação de resíduos sólidos, captação de recursos, transporte escolar e combate à dengue, por exemplo”, explica o professor Tomaz Espósito, coordenador do mestrado de fronteiras e direitos humanos da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul (MS).
Integração latino-americana
O parágrafo único do artigo 4º da Constituição, dispositivo que define os princípios das relações internacionais do país, afirma que o Brasil “buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
O professor Tomaz Espósito destaca que a integração é diária nos municípios de fronteira e sugere que as prefeituras promovam projetos para que a população brasileira possa ser atendida no país vizinho e vice-versa.
“Na fronteira do Brasil com o Uruguai, já vimos projetos em que há troca de oferta de serviços médicos, com brasileiras indo realizar tomografia no Uruguai e uruguaios fazendo hemodiálises no Brasil. Podem-se criar arranjos para que a fronteira deixe de ser apenas um obstáculo e se torne de fato a integração. O Brasil começa na fronteira”, diz o especialista.
Para o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Stremel Barros, os municípios sozinhos não têm estrutura financeira e administrativa para enfrentar os graves problemas das fronteiras brasileiras e, por isso, as autoridades locais devem ter boa capacidade técnica e de gestão.
“O principal ponto é buscar gestores que tenham capacidade ou que possam, em conjunto com a sociedade, ter condições técnicas mínimas para trabalhar aspectos legislativos e administrativos. O tanto que o país perde em corrupção ele perde também com má gestão”, avalia o presidente do Idesf, com sede em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com o Paraguai.
Com informações da Agência Brasil