Páginas pessoais e grupos usados por ‘influencers do garimpo’ são alvo de investigação do MPF no Amazonas
“Já dizia meu vovô, acessório é ouro, carro é Toyota e investimento é garimpo ilegal”, diz a postagem de um dos perfis de redes sociais que incentivam a exploração ilegal do ouro na Amazônia, dão dicas de como fugir da fiscalização do governo e até ensinam a produzir azougue (mercúrio líquido).
Páginas pessoais e grupos utilizados por esses usuários se tornaram alvo de uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas que questiona por que a Meta —dona do Facebook e do Instagram— permite que as contas permaneçam ativas.
O inquérito é desdobramento de outra investigação, já existente, da Polícia Federal em Roraima, que apurava suspeitas de crimes contra a ordem econômica por usuários das redes sociais.
Procurada pela reportagem por meio da assessoria, a plataforma não se manifestou. Uma das citadas nas investigações, Gabrielly da Silva Rodrigues também foi procurada, mas não se manifestou. Os outros mencionados nas apurações não foram localizados.
No processo, a procuradoria também pede explicações à Meta. Ao órgão, a companhia apresenta seus mecanismos de controle e diz ter desativado uma série de perfis apontados pelas autoridades.
Apesar das explicações, os documentos mostram que existiam contas que seguiam no ar, a despeito do alegado pela empresa, ainda em janeiro deste ano. Outras já não estão mais acessíveis.
“[Foi identificada] a permanência de diversas publicações relacionadas à apologia e à incitação da garimpagem ilegal na Amazônia. Além disso, certificou-se que permanecem ativas duas publicações que constavam no relatório anteriormente encaminhado pelo MPF ao Facebook”, diz o relatório do Ministério Público.
‘Fórmulas de sucesso’
O inquérito civil mostra a atuação de dezenas de perfis ou grupos, que reúnem milhares de seguidores no Instagram e no Facebook e incentivam a prática ilegal.
Um vídeo publicado no grupo “Garimpos da Amazônia” por um usuário que diz ensinar “fórmulas de sucesso”, ensina a “produzir e fabricar o seu próprio azougue para a extração de metais preciosos”.
“O uso indiscriminado de mercúrio, que é expressamente regulamentado pela Convenção de Minamata, contribui para a contaminação de rios e solos, causando danos irreparáveis ao meio ambiente e colocando em risco a saúde de comunidades indígenas e ribeirinhas”, diz um dos documentos do inquérito, assinado pelo procurador da República André Luiz Porreca Ferreira Cunha.
Numa das contas investigadas pela PF, a usuária Gabrielly da Silva Rodrigues tem como destaque uma série de posts que ela reuniu sob a legenda de “garimpinho”.
Ela aparece em áreas de garimpo com anéis de ouro e em selfies para mostrar as roupas que usa no garimpo ou a pele queimada após um dia de sol —possivelmente, diz a PF, enquanto trabalhava minerando.
“Não era pq eu tava no mato que eu tinha que andar desarrumada (sic)”, diz, em uma dessas fotos.
Segundo a PF, ela é casada com Gilvan Menezes, que também é investigado por suspeita de praticar garimpo ilegal.
No seu perfil, ele compartilhou o vídeo de um avião pousando no que a PF diz ser a pista de pouso de Homoxi —um dos maiores pontos de extração da Terra Indígena Yanomami, que chegou a ter 16 km de extensão.
“Eita tempos bons só lembranças foi gratificante trabalhar nesse lugar abençoado (sic)”, diz a legenda da publicação.
No geral, as postagens expõem o dia a dia dos garimpeiros, que atuam sem equipamentos de proteção, e usando escavadeiras, dragas e aviões, inclusive à noite.
Críticas ao governo
Os usuários se gabam mostrando pepitas, potes de ouro e joias, pistas de pouso clandestino e grandes crateras de mineração.
Uma usuária aproveita o grupo “garimpeiros do rio Madeira” para anunciar a venda de uma balsa usada para transportar o maquinário. Ela diz só aceitar pagamento em dinheiro.
Dhiego Gomes tinha, à época dos acessos pelos investigadores, 55,6 mil seguidores no Instagram e fazia vídeos de humor.
“2024 o bonde vai ficar rico caso contrário vai dormir todo mundo na cadeia (sic)”, diz em um. “Dinheiro e [revólver calibre] 38 a gente só mostra se for usar (sic)”, escreve em outro.
Também há críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aos “zumbis”, como são chamados os agentes das operações de fiscalização e repressão do garimpo ilegal.
A página Itaituba Véia —referência à cidade paraense que é um dos maiores polos de garimpo do Brasil—, com 121 mil inscritos, publica vídeos com piadas e inclusive oferece parcerias para divulgação de outras páginas e posts patrocinados.
Procurada, Gabrielly da Silva Rodrigues não se manifestou. A reportagem não conseguiu localizar Gilvan e os outros mencionados nas investigações.
A intenção do Ministério Público Federal com o inquérito é que, apesar das mudanças recentes de políticas do Facebook, a rede social aprimore mecanismos para conter conteúdo ilegal.
Esse e uma série de outros inquéritos civis relacionados a plataformas de vendas de produtos e de redes sociais ficaram sob a responsabilidade do 2º Ofício da Amazônia Ocidental do MPF.
Uma das possibilidades é que a plataforma impeça essas pessoas de utilizarem os serviços.
No limite, a procuradoria pode pleitear uma indenização para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, vinculado ao Ministério da Justiça.
Com informações da Folha de S. Paulo