ONU denuncia ‘detenções arbitrárias’ e ‘clima de medo’ na Venezuela após eleição; organizações apontam mais de 20 mortos

O elevado número de “detenções arbitrárias” e o “uso desproporcional” da força alimentam o “clima de medo” na Venezuela desde as eleições presidenciais de 28 de julho, afirmou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos nesta terça-feira (13). Em comunicado, o austríaco Volker Türk disse ser especialmente preocupante a quantidade de pessoas presas, “acusadas de incitação ao ódio ou sob legislação antiterrorismo”. Ao todo, a ONU estima que mais de 2,4 mil venezuelanos foram detidos após o pleito.

“O direito penal nunca deve ser utilizado para limitar indevidamente os direitos à liberdade de expressão, reunião pacífica e de associação”, escreveu Türk. A nota foi publicada um dia depois do procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, anunciar que pelo menos 25 pessoas morreram e 192 ficaram feridas nos protestos registrados após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano anunciar a reeleição do presidente Nicolás Maduro. O número é semelhante ao divulgado até então por organizações de direitos humanos, que relataram 24 mortos.

O alerta do comissário também ocorre um dia após o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, dizer que seu gabinete recebeu “vários relatos de casos de violência” nas manifestações da oposição. Em nota, Khan indicou que acompanha “ativamente” os acontecimentos no país. Somado a isso, ainda nesta segunda-feira (12), Maduro exigiu que os poderes do Estado agissem com “punho de ferro” depois dos protestos que eclodiram no país.

“Exijo que todos os poderes do Estado atuem com maior celeridade, maior eficiência e mão de ferro contra o crime, contra a violência, contra os crimes de ódio, mão de ferro e justiça severa, firme, fazer cumprir os princípios constitucionais — disse Maduro durante uma reunião com autoridades. “Onde estão os autores intelectuais dessa violência? Onde estão os financiadores dessa violência? Onde estão os que a planejaram?”

‘Fraude’

Maduro foi proclamado pela autoridade eleitoral presidente reeleito para um terceiro mandato de seis anos com 52% dos votos, frente a 43% do opositor Edmundo González Urrutia, representante da líder opositora María Corina Machado, que denuncia fraude. Horas após o primeiro boletim, manifestações estouraram em Caracas e outras cidades do país, inclusive em bairros pobres e historicamente chavistas. Segundo Maduro, mais de duas mil pessoas foram presas.

Após o CNE declarar a reeleição de Maduro, o Centro Carter, um dos poucos observadores internacionais do processo eleitoral na Venezuela, afirmou que a eleição presidencial no país não atendeu aos padrões de imparcialidade democrata. Enquanto os órgãos oficiais se recusam a divulgar as atas das mesas de votação, a oposição alega ter comprovantes de que González Urrutia derrotou Maduro por ampla margem (67% contra 30%). A partir da análise do material, o Centro Carter também declarou que as atas eleitorais coletadas pela oposição são “consistentes”.

“O chavismo está impregnado no Estado venezuelano de tal forma que está presente nas instituições que deveriam ser independentes”, disse Ian Batista, analista eleitoral na missão de observação do Centro Carter. “Não há instituições que poderiam balancear os poderes. A Constituição prega algum nível de independência, mas como o chavismo está impregnado em todos os lugares, eles controlam todos os altos cargos”.

‘Desaparecimentos forçados’

No comunicado desta terça-feira, Türk reforçou que “todas as mortes que ocorreram no contexto dos protestos devem ser investigadas” – e que os envolvidos devem ser “responsabilizados e punidos”. Já sobre os detidos, a maior parte dos casos documentados pelo Alto Comissariado indicam que eles não foram autorizados a nomear um advogado de sua escolha ou ter contato com suas famílias. A nota do comissário reforça que “alguns desses casos” constituíram “desaparecimentos forçados”.

Entre os detidos estão líderes, simpatizantes de partidos políticos, jornalistas e defensores dos direitos humanos, considerados ou percebidos como opositores pelas autoridades. Muitas das detenções, segundo relatório da Missão Internacional Independente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ocorreram depois da participação em protestos ou da expressão de suas opiniões nas redes sociais. O documento destaca a suposta detenção de mais de cem crianças e adolescentes, acusados dos mesmos crimes que os adultos.

Türk pediu a libertação imediata de todos aqueles que foram detidos arbitrariamente e garantias de julgamentos justos para todos. Ele afirmou que “o uso desproporcional da força por agentes da lei”, bem como “os ataques a manifestantes por parte de pessoas armadas que apoiam o governo, alguns dos quais resultaram em mortes, não devem ser repetidos”. Ao comentar os relatos de violência contra funcionários e de vandalismo contra edifícios públicos, o comissário declarou que “a violência nunca é a resposta”.

O austríaco também expressou preocupação com a possível adoção de um projeto de lei sobre a vigilância e financiamento de ONGs, bem como um projeto de lei “contra o fascismo, o neofascismo e expressões semelhantes”. Ele exortou as autoridades a “não adotarem estas ou outras leis que prejudiquem o espaço cívico e democrático do país, no interesse da coesão social e do futuro” da nação venezuelana.

Apesar da pressão internacional, a administração de Maduro continua classificando as manifestações da oposição como atos de terrorismo. Nesta segunda, Saab afirmou que o país tem vivido “uma escalada golpista” sem precedentes – e chegou a traçar um paralelo com a guerra na Ucrânia, em que “tudo é financiado pelos Estados Unidos”. O procurador declarou que “querem implementar um chamado para derrubar um governo legitimamente eleito” e que as mortes registradas pelo país são resultados “trágicos” disso.

Com informações de O Globo e AFP