Garimpo supera área de mineração industrial entre 2019 e 2022; 62% das atividades estão em terras indígenas
O garimpo avançou mais do que a mineração industrial entre 2019 e 2022 no Brasil. A conclusão é de um estudo publicado por pesquisadores brasileiros na revista Nature. Mais de 91% da atividade garimpeira do país está concentrada na Amazônia. Segundo o mapeamento desenvolvido pelos pesquisadores, nas regiões com cinco anos ou menos de atividade, 62% das áreas estão dentro de terras indígenas. Pela legislação brasileira, elas deveriam ser protegidas desse tipo de intervenção.
Hoje, os povos Kayapó e Munduruku, no Pará, e Yanomami, em Roraima, são os que mais sofrem em decorrência do garimpo ilegal. Os territórios deles concentram 90% da mineração dentro de terras indígenas.
Ao longo de quatro anos, os pesquisadores traçaram um panorama da atividade baseada na extração de minerais no país, analisando imagens de satélite disponibilizadas gratuitamente pela Nasa.
Os pesquisadores observaram que a área de garimpo aumentou 12 vezes, enquanto a mineração industrial cresceu cinco vezes no período de 2019 a 2022. Pelo menos 77% dos locais de garimpagem em 2022 mostraram sinais explícitos de ilegalidade.
Para se ter uma dimensão do crescimento exponencial do garimpo no país, em 1985 a mineração industrial ocupava cerca de 360 km², enquanto o garimpo cobria 218 km². Em 2022, a atividade industrial alcançou uma área de 1.779 km², enquanto o garimpo atingiu 2.627 km².
Em 2022, considerando a área minerada por garimpo, 77% (cerca de 2.022 quilômetros quadrados) apresentavam sinais explícitos de ilegalidade e 15% ocorreram em áreas restritas, ou seja, terras indígenas (TIs), Unidades de Conservação de Proteção Integral (UCPIs), Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e Reservas Extrativistas (RESEXs).
De acordo com Luiz Ferreira Neto, coautor da publicação, estudos prévios já indicavam que a atividade garimpeira ilegal vinha historicamente ultrapassando a mineração industrial, principalmente na Amazônia. Mas não havia até então um mapeamento que demonstrasse esse avanço.
“Foi importante ver essa dinâmica representada nos textos e poder confirmar com os mapas”, diz.
Povos indígenas
O geógrafo Arlesson Souza, que também foi um dos responsáveis pelo estudo publicado na Nature, afirma que os povos indígenas sofrem uma pressão dupla.
De um lado, ficam expostos a doenças, com a contaminação dos rios por mercúrio e outras ações que alteram o modo de vida das comunidades tradicionais e sua relação com o meio ambiente. Por outro, têm de conviver com uma rede de atividades ilegais que passa a adentrar a Amazônia.
“Do ponto de vista do espaço, o garimpo está atrelado a um emaranhado de problemas, como prostituição, trabalho similar à escravidão e o avanço das facções criminosas. A situação é preocupante por todos esses processos, com impactos sociais e ligados à natureza”, afirma.
Formas da ilegalidade
Para mapear o avanço do garimpo no Brasil, os pesquisadores utilizaram a plataforma Google Earth Engine e coleções de imagens do Landsat, um programa de satélites de observação da Terra gerido pela Nasa, em parceria com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).
Além do processamento e filtragem das imagens, também houve o cruzamento do material com bases de dados brasileiras sobre a permissão de lavras garimpeiras, terras indígenas e unidades de conservação. Isso contribuiu para que a pesquisa identificasse áreas de atividade ilegal.
Os pesquisadores detectaram algumas semelhanças entre os espaços de mineração fora da lei. Entre elas, estão a destruição de calhas de rios, erosão na borda dos cursos d’água e a existência de “piscinas” para a separação dos minérios.
Em contrapartida, no ambiente industrial o que se viu foi uma atividade que considera a preocupação com o entorno, apesar do impacto no meio ambiente.
“Na área industrial, existe controle de encostas. Se houve desmatamento, tem reposição de vegetação”, destaca Neto.
Mais fiscalização e mobilização social
Para Neto, esse salto do garimpo é um indicador de que a fiscalização da atividade mineradora precisa melhorar no país. “Vemos que a mineração industrial é muito mais estável no processo de crescimento, muito provavelmente por obedecer às normas. O garimpo está muitas vezes em áreas de difícil acesso, até para a fiscalização”, explica.
Souza, por sua vez, afirma que a atuação de agentes políticos favoráveis à mineração em terras indígenas também é um fator a ser considerado na avaliação desse cenário e das providências para revertê-lo.
“É preciso uma maior movimentação da sociedade para discutir essa realidade. Precisamos repensar a região da Amazônia não só como fornecedora de matéria-prima, mas também oferecer melhores condições para a população que vive ali”, defende.
Os pesquisadores pretendem lançar ainda em 2025 uma iniciativa de monitoramento diário do garimpo no Brasil. O projeto deve utilizar a metodologia desenvolvida no estudo publicado na Nature e ter entre os parceiros a organização MapBiomas.
Nem todo garimpo é ilegal
De acordo com a legislação brasileira, para fazer a garimpagem, é preciso ter uma permissão para lavra garimpeira (PLG), documento concedido pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Procurada, a agência afirmou que uma série de resoluções têm sido produzidas pelo órgão para orientar a mineração no país, bem como conduzir a atividade para o cumprimento das boas práticas legais, ambientais e sociais. Há também o trabalho para aprimorar sistemas de alerta e denúncia no combate à ilegalidade, seja com a lavra não autorizada (ilegal) ou a possiblidade de lavagem de dinheiro ou o “esquentamento” do ouro.
Esforços do governo contra garimpo ilegal
Em junho de 2024, no Dia do Meio Ambiente, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, destacou os esforços do governo no combate ao garimpo ilegal.
De acordo com os dados apresentados pela ministra, as áreas abertas para mineração na Terra Indígena Yanomami caíram 77% em relação a 2022, e, no país, a redução foi de 32% no mesmo período.
Com informações da Folha de S. Paulo