Cobrança do STF: governo Lula tem até 16 de fevereiro para explicar aumento de casos de malária na Terra Yanomami
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deu um prazo de dez dias para o governo Luiz Inácio Lula da Silva explicar o agravamento do quadro de emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami em Roraima. O ministro atendeu a um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acionou a Corte em 24 de janeiro denunciando um aumento nos casos de malária, desnutrição infantil e infecções respiratórias agudas.
Com a decisão, tomada na quinta-feira (6), o Ministério da Saúde e a Casa Civil terão de se manifestar até o próximo dia 16. A crise dos Yanomami se arrasta desde o governo Jair Bolsonaro e a pandemia de covid-19.
Logo após a posse de Lula, em janeiro de 2023, o governo decretou emergência pública na Terra Yanomami e se comprometeu a combater o garimpo ilegal na região, responsável pela poluição dos rios e por levar doenças contagiosas ao território em Roraima.
Os números indicam que mais da metade da população de 32.012 indígenas padeceu de malária: em 2024, houve 18.310 casos da doença reportados na Terra Yanomami contra 14.450 em 2023. Nove deles morreram da patologia no ano passado, enquanto outros dez faleceram por desnutrição e 22 por infecções respiratórias agudas – condições que, conforme alertou a Apib junto ao STF, são agravadas pela malária.
Os casos de infecção respiratória aguda também cresceram 300% no intervalo de um ano: saltaram de 3.113 em 2023 para 11.484 no ano passado. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, esteve no território Yanomami em 10 de janeiro.
Em 20 de janeiro, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo Lula divulgou um balanço das iniciativas da gestão petista e anunciou uma redução de 91% nas áreas ocupadas por garimpeiros e 27% no número de óbitos, que caíram de 213 em 2023 para 155 no ano passado.
A Apib, porém, sustentou na manifestação ao Supremo que a malária, a desnutrição e as infecções respiratórias pioraram a despeito dos números alardeados pelo governo federal e do crédito extraordinário de R$ 1,06 bilhão autorizado pelo Congresso no ano passado para que a gestão Lula enfrentasse a crise.
O valor foi dividido por oito ministérios: Justiça, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Defesa, Desenvolvimento e Assistência Social, Pesca, Direitos Humanos e Povos Indígenas.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o quadro reflete “uma ação desarticulada do governo federal, uma vez que os dados sobre o ‘sucesso’ da operação em território Yanomami são completamente destoantes da situação de saúde ali observada, de forma a indicar que inexiste um diálogo interno que gere uma ação estrutural na localidade”.
No ano passado, a entidade enviou ao STF um balanço das ações do governo Lula no qual já demonstrava preocupação com a “morosidade e a falta de coordenação entre setores” da gestão petista, acarretando a piora da crise e a “continuidade de invasões e deterioração das condições de vida” dos Yanomami.
O pedido da Apib para que o STF se manifestasse foi protocolado dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de número 709 protocolada pela entidade em 2020 para garantir meios de proteção de comunidades indígenas com o avanço da covid-19 pelo Brasil.
A entidade também pediu ao Supremo que a União informasse o número de cestas básicas enviadas à Terra Yanomami e os critérios adotados para a distribuição de fórmulas para o combate à desnutrição infantil, bem como o esclarecimento pelo Tribunal de Contas da União (TCU) se o crédito extraordinário autorizado pelo Congresso foi aplicado de forma eficiente.
Desafio e constrangimento
A decisão de Barroso reforça que, passados dois anos desde a declaração da emergência de saúde pública, a crise Yanomami ainda é um desafio expressivo para Lula – além de um constrangimento.
Na composição do seu governo na transição, o presidente criou o Ministério dos Povos Indígenas e escolheu a deputada federal eleita Sonia Guajajara (PSOL-SP) para chefiar a pasta, o que a tornou a primeira indígena a assumir um cargo na Esplanada dos Ministérios.
Ainda no primeiro mês de governo, Lula viajou para a Terra Yanomami e constatou um cenário de grave crise sanitária. Um ano depois, admitiu que era preciso fazer mais para aplacar o problema.
“Vamos tratar a questão indígena como uma questão de Estado, ou seja, nós vamos ter que fazer um esforço ainda maior, utilizar todo o poder que a máquina pública pode ter, porque não é possível que a gente possa perder uma guerra para garimpo ilegal, para madeireiro ilegal, para pessoas que estão fazendo coisas contra o que a lei determina”, declarou o presidente em janeiro de 2024.
Agora, por determinação do Supremo, Nísia Trindade e Rui Costa, da Casa Civil, terão de explicar por que o quadro piorou no último ano a despeito da injeção de R$ 1,06 bilhão nos cofres da União.
‘Abandono herdado’
Em nota conjunta, o Ministério da Saúde e a Casa Civil da Presidência afirmaram que estão, desde 2023, promovendo uma operação para “reverter o abandono herdado e garantir a proteção e a recuperação das condições de vida dos povos indígenas” por meio de implementação de sistemas de água e de saúde e o combate a garimpeiros da região.
O governo ainda afirmou que irá fornecer as informações requisitadas por Barroso no prazo estabelecido.
“O governo federal segue atuando de forma estruturada e contínua para reverter anos de negligência e garantir que o povo Yanomami tenha autonomia, dignidade, assistência e segurança em seu território, reafirmando seu compromisso com a defesa dos direitos indígenas e a soberania nacional”, disseram as pastas.
Com informações de O Globo e Jornal de Brasília