R$ 123,5 milhões: Roraima Energia é multada pela Aneel, e impasse pode afetar abastecimento em Boa Vista

A Roraima Energia, distribuidora do grupo Oliveira e responsável pelo abastecimento de energia de Boa Vista e localidades próximas, está no centro de uma disputa com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) devido à cobrança de multas de R$ 123,5 milhões.

Como o Estado ainda é isolado do restante do sistema nacional e depende da geração local de usinas térmicas, pode haver impacto no abastecimento de energia na região.

O valor cobrado se refere à restituição para a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), fundo bancado por todos os consumidores do Brasil que subsidia o fornecimento de energia em regiões isoladas do Brasil.

A cobrança foi determinada após a Aneel identificar falhas na disponibilidade das usinas termelétricas Monte Cristo e Floresta movidas a óleo diesel, que também pertencem ao grupo Oliveira. A origem da cobrança está em uma série de fiscalizações da Superintendência de Fiscalização Técnica dos Serviços de Energia Elétrica (SFT), que apontaram problemas na gestão dessas usinas.

A Aneel constatou que as usinas operavam abaixo da potência contratada, com indisponibilidades recorrentes. Em alguns períodos, a usina Monte Cristo ficou 40% indisponível, enquanto a Floresta apresentou até 20% de indisponibilidade. Essas falhas foram associadas a uma gestão inadequada dos contratos de locação das usinas, o que teria onerado indevidamente a CCC.

Sistema vulnerável

A situação preocupa o setor elétrico, pois afeta diretamente o suprimento de energia da região. Boa Vista e áreas próximas dependem das usinas de Monte Cristo e Floresta para assegurar a disponibilidade elétrica, e as falhas contratuais já teriam comprometido a capacidade energética disponível, conforme relata a fiscalização da Aneel. Em momentos críticos, a usina Monte Cristo, por exemplo, só conseguiu disponibilizar 32,5 MW dos 82,5 MW contratados, agravando a vulnerabilidade do sistema.

Em casos de indisponibilidade das usinas, a Roraima Energia deveria ter aplicado multas previstas em contrato, porém o auto de infração concluiu que a concessionária não aplicou as penalidades contratuais à Oliveira Energia.

“Eles [a Oliveira Energia] estão se aproveitando da verticalização [são controladores da distribuidora e das usinas geradoras] para benefício próprio”, disse uma fonte. Esses custos foram repassados para o fundo setorial, que arca com os subsídios de energia em Roraima.

Procurada, a Roraima Energia não se manifestou. A Oliveira Energia, que controla a Roraima Energia e as usinas Monte Cristo e Floresta, também não comentou o assunto.

“O Despacho nº 1.930, de 2 de julho de 2024, determinou a cobrança à Roraima Energia do montante de R$ 123 milhões, em 12 parcelas de R$ 10,25 milhões, com o intuito de restituir à Conta de Consumo de Combustíveis os montantes relativos à indisponibilidade dos contratos de locação das usinas termelétricas

de Monte Cristo e Floresta, conforme apurado em processo de fiscalização específico. A Roraima Energia pagou o boleto da primeira parcela, vencida em agosto, no entanto, deixou de pagar as parcelas de setembro e outubro, que totalizam R$ 20,5 milhões”, diz a nota da agência.

Para se defender, a Roraima Energia recorreu à Justiça. No processo judicial, ao qual a reportagem teve acesso, a empresa obteve uma decisão liminar favorável em outubro, que suspendeu os efeitos do despacho da Aneel até o julgamento definitivo.

A decisão judicial permitiu à concessionária a apresentação de uma carta fiança como garantia no valor da dívida, acrescido de 30%, evitando novos pagamentos de parcelas por enquanto. Contudo, a liminar não exige que a Aneel devolva os R$ 10,55 milhões pagos anteriormente pela empresa.

A gestão e administração da CCC ficam a cargo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Questionada sobre o acompanhamento dos contratos, a câmara não quis se manifestar.

A Oliveira Energia é também a controladora da Amazonas Energia, que enfrenta desafios severos no fornecimento de energia na região Amazônica, incluindo dívidas bilionárias com as usinas geradoras locais e constantes falhas no serviço. Em 2024, o governo editou uma medida provisória (MP) que repassou os custos das usinas para as contas de luz de todos os consumidores brasileiros, o que viabilizou a transferência do controle da concessionária para a Âmbar, subsidiária do grupo J&F.

A reportagem procurou o Ministério de Minas e Energia (MME) para saber se a pasta está monitorando a situação, se o governo estuda alguma medida para a troca de controle, já que o caso da Amazonas Energia abriu precedentes, e se estudam uma nova MP que permite flexibilização dos contratos, mas não teve resposta.

Isolado

Por estar em um sistema isolado, Roraima não tem infraestrutura para receber a energia mais barata das hidrelétricas, por isso o Estado é atendido principalmente por termelétricas a óleo diesel e óleo combustível. Dados da Aneel apontam que, só em 2023, a Roraima Energia recebeu R$ 1,4 bilhão de recursos da CCC.

O Estado espera pela conclusão do linhão de transmissão Manaus-Boa Vista, que vai conectar o Estado ao SIN, mas que só deve ficar pronto no fim de 2025. Além disso, a tentativa do governo em trazer energia mais barata da Venezuela está travada.

Com informações de Robson Rodrigues/Valor Econômico