Tragédia Yanomami: governador de Roraima e secretária de Saúde são citados em investigação da PF sobre esquema de corrupção

Desde que assumiu o terceiro mandato na Presidência da República, Lula adota como estratégia fazer contrapontos a Jair Bolsonaro, a fim de responsabilizá-lo pelo desmonte do Estado brasileiro.  É assim na diplomacia, na saúde, no meio ambiente e até na questão indígena. Um dos primeiros atos do petista no cargo foi denunciar um suposto genocídio do povo Yanomami durante a gestão anterior, em razão de 570 mortes registradas entre 2019 e 2022.

Diante dos números, Lula convocou uma comitiva de ministros para visitar a maior reserva indígena do país, com 10 milhões de hectares, e anunciou como prioridade um pacote de medidas para dar assistência aos cerca de 30 mil integrantes dessa etnia. Apesar do esforço retórico, as mortes cresceram 6% entre 2022, o último ano do mandato de Bolsonaro, e 2023, o primeiro ano de Lula. Provocados por bolsonaristas, governistas alegaram que a administração anterior não registrou todas as mortes e que essa subnotificação justificaria a falsa percepção de piora do quadro.

Raiz do problema

Enquanto os protagonistas da polarização duelam para saber quem administrou pior a crise humanitária dos Yanomami, a Polícia Federal descobriu que na raiz do problema também está, como de costume, um esquema de corrupção, do qual fariam parte autoridades de primeiro escalão de Roraima, onde fica a reserva indígena.

No início deste ano, agentes da PF encontraram, dentro de uma casa abandonada na capital, Boa Vista, caixas e sacolas com medicamentos adquiridos pelo Ministério da Saúde, muitos deles com prazo de validade vencido, que deveriam ter sido entregues aos indígenas. Eles também acharam lotes de remédios queimados no imóvel, que pertence a um funcionário da Secretaria de Saúde de Roraima, pasta comandada por Cecília Lorenzon, indicada ao cargo pelo governador Antonio Denarium (PP).

O dono da casa decidiu colaborar com as investigações. Na semana passada, ele detalhou como funcionava o esquema, que consistiria no desvio dos produtos destinados aos Yanomami e sua venda em benefício dos integrantes da quadrilha.

Em depoimento, o funcionário disse que o empresário Wilson Basso, marido da secretária de Saúde, solicitou a ele que levasse os medicamentos para a tal casa abandonada. O pedido foi feito depois de a PF cumprir um mandado de busca e apreensão na residência do empresário, para apurar a suspeita de superfaturamento na execução de contratos de fornecimento de insumos hospitalares e medicamentos aos Yanomami.

O esquema teria desviado quase R$ 1 milhão. O funcionário contou ainda que telefonou para a secretária no dia em que os policiais apreenderam os remédios encontrados em sua casa a fim de questioná-la sobre o que estava acontecendo. Como resposta, ouviu que não era para se preocupar, “pois não era problema dela nem dele”.  O colaborador acrescentou que entrou em contato novamente com Cecília após deixar a prisão. Na ocasião, ela teria dito a ele, sem entrar em detalhes, que o governador estava ciente do caso.

Lavagem de dinheiro

A PF suspeita que o desvio dos medicamentos era acompanhado de um esquema de lavagem de dinheiro. Dentro de um caminhão usado para transportar a mercadoria surrupiada, que seria de propriedade do marido da secretária de Saúde, agentes encontraram cartões de crédito e débito em nome de laranjas, extratos bancários e anotações com indicações de pagamentos para a secretária, a mãe e o marido dela.

“Revela-se a provável existência de um organismo criminoso, circunstância essa que está diretamente relacionada com o crescimento da morte dos indígenas Yanomami”, diz um trecho do inquérito da PF. Procurados, o governador e a secretária não responderam.

A situação na reserva Yanomami continua preocupante. O governo tem anunciado ações para combater o garimpo ilegal e o desmatamento na região, mas o trabalho feito até aqui não parece suficiente. Na quarta-feira (25), líderes indígenas participaram de uma reunião com integrantes da administração federal para cobrar ações na região.

“A crise sanitária ainda não acabou”, diz Júnior Hekurari, presidente da Urihi Associação Yanomami.

Com informações de Veja